segunda-feira, 3 de maio de 2010

O travo agridoce de un casamento secreto



Já passaram 14 meses desde aquele dia, mas, como quase toda a gente, foi um dia que jamais esquecerei. Começo por assinalar que o nosso casamento não foi um casamento qualquer, para além obviamente de que os contraentes éramos ambos do sexo masculino... Haviam outros factores que faziam a nossa união ainda mais invulgar:
Um deles estava relacionado com o facto de o meu marido, procedente de um país de fora da União Europeia, uma vez terminados os seus estudos, ficou em situação irregular, ou seja, ilegal. Legalidade essa que recuperaria com o casamento;
Outro factor devia-se ao facto de ambos estarmos longe das respectivas famílias e amigos, e portanto, no casamento para além dos noivos e do pessoal do registro, estiveram 5 pessoas... sendo que duas dessas cinco foram as que assinaram como testemunhas...
Outro factor estava relacionado com a forma como foi planeado. A minha família desconhece, pelo menos de minha boca, a minha orientação sexual, à excepção da minha mãe, que uma das coisas que muito me pediu foi que não me casasse porque num futuro e se acontecesse alguma coisa, com o revirar de papeladas, o resto da família poderia vir a saber...(mãe, com a sua mentalidadezinha antiquada e ingénua, não se dá conta de que se "acontecer alguma coisa" quiser dizer "bater as botas" pouco me importa que se saiba com quem me deito...olha, "cheio de penas me deito, e com mais penas m'alevanto"como a Amália!...)
Como podem imaginar, a obtenção da documentação necessária foi uma comédia! Aproveitei uma viagem relâmpago a Portugal e pedi uma certidão de nascimento, que um amigo meu faria o favor de levantar, de levar a que colocassem a Apostilha de Haia, e enviar-ma por correio, para que depois eu a levasse a um tradutor juramentado para traduzi-la ao castelhano. A documentação do meu marido foi mais fácil de obter, uma vez que a sua família está ao corrente da nossa relação e apoiou o facto de nos casarmos, embora ninguém saísse do seu caminho por estar presente...Mas a documentação chegou.
Também foi única, porque à época, não tínhamos um vintém. Estávamos completamente sem dinheiro, e por isso, lá nos casamos em fatos que retiramos do nosso armário, camisas daquelas do fundo do gavetão e gravatas dessas que se guardam em caixinhas mas que nunca se tinham chegado a estrear. As alianças, essas, foram as mesmas alianças de prata que usamos quase desde que nos conhecemos, compradas a um vendedor ambulante muitos anos antes nas Ramblas de Barcelona...
Claro que o "Copo de Água" por pouco não o era literalmente. Fomos a um barzito próximo, beber umas cervejinhas com as 5 pessoas que vieram, pagando uma rodada, e vendo como cada um dos demais fazia o mesmo... e daí cada um para sua casinha...
Houveram ainda mais peripécias. Na véspera, a caminho da localidade onde nos íamos casar, em plena auto-estrada aparece-me um galgo na via enquanto ultrapassava um camião e não me deu tempo para nada. Matei o bicho, para grande pena minha, e fiquei sem carro... Acabamos a viagem em táxi depois de duas horas na berma à espera do reboque, mas não foi antes de chegar ao nosso destino que nos demos conta de que nos tínhamos esquecido dos fatos com os documentos nos bolsos, no meu carro, que estava imobilizado numa oficina a 100Km de nós. Ora na manha do casamento lá tive de pedir um carro emprestado, levantar-me de madrugada para ir buscar o que me tinha esquecido. 100Km para um lado... 100Km para outro...
Obviamente não foi o casamento que nenhum de nós sonhara. Muito menos sem família do meu marido presente, e amigos meus de Portugal que são uma segunda família... tendo que mentir e manter em segredo ante a minha verdadeira família por uma questão de mentalidades... Mas foi o casamento possível. E o curioso é que não podíamos deixar de sorrir nesse dia. Estávamos FELIZES apesar de tudo. Não porque o casamento significasse o quanto nos amamos nem o quanto queremos estar juntos, para isso não nos faz falta um papel, mas por sentir que de alguma maneira, nesse dia éramos cidadãos de pleno direito. Que ainda por cima, sendo seropositivos, não haveria jamais impedimento a que um visitasse o outro num hospital se alguma vez fizesse falta, e que se um de nós acaba por falecer antes do outro, que pelo menos esse poderá solicitar uma pensão de viuvez, e até ter direitos sucessórios, antes dos irmãos ou sobrinhos virem rapinar aquilo que aos dois nos custou juntar ao longo da vida.
Não era pela ilusão boba de nos casarmos, mas sim, por primeira vez em longos anos, nos sentirmos enjustiçados, igualados em direitos a qualquer outra pessoa, já que os deveres já nos são impostos de igual maneira.

4 comentários:

Paula Antunes disse...

Sabes... vou contar-te um segredo: Invejo-te. :)

Um abraço,
Paula

Zé Ninguém disse...

Ai Paulinha... nunca estamos bem com a vida que temos... mas toca a lutar por aquilo em que acreditamos e que queremos, né?
Beijinho
"Zé"

Paula Antunes disse...

Verdade. Nisso tens toda a razão. Beijo grande.

Zé Ninguém disse...

É muito bom ver-te por aqui e que finalmente te tenhas animado a escrever um comentario. Espero conseguir viciar-te e que te tornes assídua. :P
Bjs