quarta-feira, 28 de abril de 2010

(In)Visibilidade




Car@s amig@s,

Este é um tema que está cada vez mais em voga. Se bem vos digo que as pessoas que decidem fazer pública uma parte importante da sua intimidade, como pode ser o seu estado serológico, me merecem todo o respeito e admiração,no que respeita à minha pessoa, e por alguma experiência neste campo, vos digo que não pretendo torná-lo mais publico e/ou notório do que é actualmente.
Tenho a facilidade de viver num país estranho, em que pouca gente me conhece, em que provavelmente a tentativa de ostracização da sociedade frente a mim, não surtiria grande efeito, visto me encontrar já em muitos aspectos ostracizado.
Penso unicamente nos benefícios ou prejuízos pessoais que poderiam advir dessa decisão. Como benefício, deixaria de olhar por cima do ombro quando numa noite de jantar ou copos com amigos, chega a hora de tomar a medicação e, furtivamente me escapo à casa de banho para a tomar sem suscitar perguntas incómodas... provavelmente, deixaria de entrar "encolhido" no hospital, cada vez que tenho de ir buscar mais pastilhas, fazer análises ou ir à consulta, com medo de encontrar alguém conhecido que desconheça esta parte da minha vida...
Deixaria de passar os controlos nos aeroportos com o credo na boca, não vão os agentes de segurança dar com as pastilhinhas e pensar que ando a traficar!...
Como prejuízos, vislumbro uns quantos mais:
Aquando do diagnóstico, trabalhava na clínica de uma colega de profissão algumas horas por dia. Obviamente, não me encontrava no meu melhor, com mudanças de humor repentinas e provavelmente o trato que dava aos pacientes não seria o mais simpático, aquele a que os tinha acostumado, mas jamais descurei a imaculada perfeição dos meus actos clínicos e a exactidão da sua execução. O meu brio profissional não me permitiria nunca fazê-lo. Pouco tempo tinha transcorrido, quando a minha colega e dona da clínica, me chamou para conversar. Tanto me entalou com a história e tanto insistiu que acabei por lhe dizer o que me estava a acontecer... Erro crasso!!! Poucos dias depois, aproveitando o pretexto da crise mundial, e a consequente diminuição no volume de pacientes, decidiu prescindir dos meus serviços na sua clínica (onde trabalhava como independente, logo, sem direitos), não sem aproveitar para dizer que assim que as coisas melhorassem, em lugar de contactar outro profissional, me chamaria a mim, que já sabia como trabalhava e que já era conhecido e apreciado pelos pacientes...
Vim a saber que pouco mais de um mês depois disso, já o meu lugar estava ocupado por outro profissional...
E isto, meus amigos, dentro do sector Saúde... imaginem outros sectores de trabalho que não tenham por obrigação profissional, saber os riscos (a ausência deles, melhor dizendo) de empregar pessoas Seropositivas...
Isto é só um exemplo, vivido em carnes próprias, isso sim. Depois deste desagradável episódio, dediquei mais tempo a trabalhar na minha própria clínica, a formar uma carteira de pacientes estável que me dê para viver. Não quero imaginar Se no bairro onde a tenho, se chegasse a saber que o Dr. Zé Ninguém é "sidoso"... aí, além de tudo o mais, provavelmente morreria à fome ou acabaria na indigência...
Por isso meus amigos, visibilidade para quem a queira. Além disso, creio que é bastante positivo que a sociedade veja que qualquer pessoa, independentemente do seu aspecto físico, de classe social, sexo e orientação sexual, idade, etc pode ser seropositivo, e não por isso menos pessoa do que qualquer um. Mas também penso que actualmente a maioria das pessoas que tornam visível a sua seropositividade, são pessoas que pouco têm a perder, uma vez que a doença já deixou marcas nas suas vidas e nos seus corpos, e que por isso, não vivem de um trabalho, mas de uma pensão do estado. Essas sequelas da doença que tanto os estigmatizaram, afortunadamente já não estão na ordem do dia com as novas medicações.
Por isso, e porque felizmente pertenço já a essa nova geração de seropositivos que tem acesso a medicações menos tóxicas e com menos efeitos secundários, tentarei viver com a maior normalidade possível, e não revelando o meu estado serológico, mas antes vivendo-o com normalidade.
Falta referir os efeitos da visibilidade no seio das famílias, mas isso será outra história.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

...a vida continua... continuo com vida!...




Olá car@s amig@s:

Pela primeira vez este ano, cá me aventuro a escrever algumas linhas neste espaço que confesso ter descuidado por muito mais tempo do que se merece. Aproveito para agradecer a todos os que durante este tempo foram passando por este espaço e continuaram a deixar algum comentário. É graças a vós que cá estou de novo!
Os dias que se vivem, não são de todo fáceis. Houveram muitos acontecimentos, nem todos agradáveis, com alguns sustos à mistura, mas como diz o povo "Vaso ruim não quebra" e continuo a fazer o meu trabalho deste lado do espelho dos espíritos; já virá a hora de atravessar o espelho e continuaremos a trabalhar desde o outro lado.
Entretanto, o susto que me deu a Pneumonia que padeci recentemente, fez-me reflectir sobre temas metafísicos e transcendentais que terei oportunidade de vos transmitir numa próxima entrada a que chamaremos algo assim como "Urzes, Malvas e Aciprestes".
A vida quotidiana é, em consequência, rotinária e por vezes monótona, mas é curioso como nos podemos refugiar muitas vezes na rotina para sentir esse aconchego de que tudo está bem... de que tudo decorre com normalidade... Sim, porque rotinário não tem que ser sinónimo de aborrecido!
Nestes meses, como devem imaginar, houve tempo para todo o tipo de sensações e sentimentos. Alguns fiéis ao homem que antes fui, que fazia jus ao poema:

"Amar ou odiar
Ou tudo ou nada
O meio termo é que não pode ser
A alma tem de estar sobressaltada
Para o nosso barro sentir; viver
Não é uma Cruz que não se queira pesada
Metade de um prazer, não é um prazer!
E quem quiser a vida sossegada
Fuja da vida e deixe-se morrer!
Vive-se tanto mais quanto se sente
Todo o valor está no que sofremos
Amemos muito como odiamos já!
A verdade está sempre nos extremos
Pois é no sentimento que ela está."
(Fausto Guedes Teixeira)

Outros mais vividos, mais maduros ou mais desalentados, seguindo uma corrente de aceitação que quase roça o laissez faire, laissez passer na qual não vale a pena lutar por mudar o que não está em nosso poder mudar, mas sim aceitar as coisas como elas são e tratar de ser feliz com o que se tem. (desde já vos digo que a busca do equilíbrio entre estes dois estados de alma, me estão a tornar num transtornado bipolar, maníaco-depressivo, mas cada vez mais interessante como ser humano!) LOL (Que falta de modéstia, não?)

Bem, de todas as formas, a vida continua, eu ainda estou vivo e por isso penso voltar a dinamizar este espaço e espero poder contar convosco para lerem o que modestamente escrevo, e até mesmo sugerir algum tema relacionado com os objectivos básicos deste Blog. Teria muito gosto em escrever sobre temas sugeridos por algum leitor.
Até breve! Agora sim será em breve.
Um saudoso abraço,
Zé Ninguém