quarta-feira, 29 de julho de 2009

O Grupo de Auto-ajuda


Ao aproximarmos do primeiro aniversário do meu diagnóstico, sinto que devo avançar um pouco mais o relato com que iniciei o Blog.

Assim, aqui vai:

Efectivamente, a reunião do grupo de Auto-ajuda era numa segunda-feira á tarde. Lembro-me de ter saído do trabalho, umas horas antes, e como estava perto, ir para uma esplanada fazer horas. Telefonei para a associação para saber exactamente a que horas era a reunião, e disseram-me que era só às 19h30, mas que se era a primeira vez que ia, que fosse à volta das 18h00 para que me fizessem um "acolhimento".

Os minutos na esplanada custavam a passar... Apesar do meu Caramel Machiato e do fresquinho que emanava da esplanada contígua que tinha um sistema de aspersores de névoa que são uma delícia para os Verões quentes de Madrid... Nem o livro que trazia entre mãos me ajudou a manter-me paciente enquanto esperava a hora de ir... não estranha, a quem tranquiliza o "Vida e Mortes" do Faustino Cavaco??

Confesso que hesitei... Preferia entrar directamente numa sala com um grupo grande de gente desconhecida, sem levantar grande reboliço, e ir-me fundindo pouco a pouco com a paisagem... mas não, tinham que me "acolher", ou seja, fazerem-me uma entrevista pessoal com um técnico capacitado para o efeito, para avaliarem em que estado me encontrava e há quanto tempo me tinham dado a notícia, para me derivarem a serviços de Psicologia ou Assistência Social no caso de ser necessário.

Na realidade, a pessoa que me acolheu foi muito simpático. Quis saber até que ponto eu estava informado acerca de VIH e de como viver com ele, e com que apoios contava eu nesse momento.

Depois de conversarmos, levou-me pela mão a uma sala onde estava o grupo reunido: Eu morria de vergonha.

Quando se abre a porta, vejo muito pouca gente, seriam uns quatro ou cinco, que interrompiam o que estavam a dizer e levantavam os olhos para mim. Sempre detestei estas situações em que, queiras ou não, as pessoas acabam por te expor a enjuizamento público, mas não tinha outro remédio! Não li no olhar de nenhum deles nada que pudesse interpretar como ofensivo ou reprovador. Não, vi olhos abertos olhando de frente e sorrisos compreensivos e amáveis. Fiquei mais tranquilo.

Estavam a passar a palavra de um em um, contando quem eram e como lhes tinha corrido a semana. Havia de tudo, desde gente que convivia com o VIH há 20 anos, até outro que como eu chegou nesse dia por primeira vez (após internamento hospitalar, deste personagem em concreto vou-vos falar mais adiante);

Na realidade, era tranquilizador ver gente que, convivendo com o vírus há anos, e tendo passado pelo pior da epidemia, da descriminação, das medicações aos 25 comprimidos por dia, da desaparição de todo o seu ciclo de amigos, do estigma da doença, da descriminação laboral, da Lipodistrofia que deixa marcas bem visíveis sobre os que vivem com este problema... Ah, mas era para vê-los. Todos bem dispostos, falando de namoricos de alguns, de problemas de outros, era como um encontro entre irmãos. Verdadeiros irmãos de sangue. Claro que como todos os irmãos, por vezes surgem diferentes opiniões sobre determinado tema, mas como irmãos, o assunto acaba por ficar solucionado.

Senti-me como um deles... um irmão.

Chegou por fim a minha vez de falar. Disse o meu nome e que estava diagnosticado havia 3 dias. Comecei a frase com muita vontade, mas a voz embargou-se-me a meio e creio que entenderam o final por dedução. Segurei as lágrimas como pude enquanto algum dos outros tratava de me tranquilizar.

"Os primeiros dias são os piores, depois vais ver que até nem pensas nisto e que fazes uma vida normal... Olha para nós, não parecemos gente normal?" Diziam isto no meio de um certo sarcasmo, mas a verdade é que me ajudou a ter fôlego para lhes contar a minha história que ouviram com todo o interesse.

No final, relembraram-me as regras do grupo. Confidencialidade, respeito, não emitir juízos de valor nem criticar os outros, respeitar o turno de palavra dos outros, não dar conselhos...etc.

Antes de que terminasse a reunião, chegou um elemento novo, esse sim com mais problemas que eu, e que mexeu comigo... mas isso é outro capítulo.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Atlântico




Meu velho amigo, quanto tempo sem nos vermos... Fico feliz pelo recebimento.

Não deixaste de rugir as tuas ondas ao ver-me chegar.

Quanta saudade nas tuas brancas espumas...

quanto da essência um do outro encerramos...

E esse perfume tão característico que emanas a maresia...

Vejo que os teus gostos musicais não mudam, e alegro-me por isso. O coro de gaivotas e o chocalhar de búzios é a melhor banda sonora para um reencontro como o nosso...

Por vezes, nas minhas longas ausências, sinto o teu sabor nas lágrimas que verto ao ter-te longe, e ao mesmo tempo choro e sorrio.

Sorrio porque sei que sempre estarás aí à minha espera... e choro porque ter-te longe significa não só a distancia física que há entre nós, mas também de saudades pelo bem que me fazes... porque ter-te longe é sinónimo de estar longe de mim... de quem fui e de quem sou. O meu coração divide-se em mil pedacinhos cada vez que me afasto de ti.

Tenho pena de não ser intemporal como tu. A vida é breve para tantas ausências. Espero algum dia poder repousar bem perto das tuas lânguidas águas, num abraço tormentoso e alvoroçado, e por fim, reunir fisicamente as essências de nós os dois, que teimo em separar...

Até um dia, meu querido Atlântico...

domingo, 5 de julho de 2009

O regresso do filho pródigo

Volto em breve, depois de muitos meses de ausência ao seio familiar. É uma visita de necessidade, de reencontro, de amor e de saudade, mas ao mesmo tempo de incertezas e de mentiras.
É o primeiro regresso ao convívio familiar depois do inicio da terapia anti-retroviral. Desconhecem em absoluto a realidade, e deverão continuar no desconhecimento, mas agora, para além de me preparar para receber tudo o que me queiram dar, terei que estar preparado para que não se note a mentira que escondo. Este segredo que me vai carcomendo a consciência deverá manter-se no obscurantismo. Por um lado por mim, para não suscitar nem pena, nem preocupação, mas também por eles, porque imagino a frustração, o desespero, e a desilusão que representaria para eles o conhecimento do meu estado serológico.
Acostumado a viver vidas múltiplas, não me sinto com forças para manter uma encenação tão elaborada desta vez, porque me sinto ainda frágil, vulnerável, culpado, e até mesmo por vezes conspurcado e revoltado com o mundo... E se diante da sociedade é mais ou menos fácil manter uma barreira que isole o que sentimos daquilo que os outros percebem em nós, diante da família, é bem mais difícil, é virtualmente impossível, porque estão feitos da mesma matéria, porque vêm mais além dessa muralha, porque sentem o que sentimos mesmo sem que o digamos...
Tenho medo. Mas não de ser descoberto. De provocar sofrimento desnecessário. De incendiar uma angústia permanente, impossível de apagar, que teria sido bem mais fácil evitar... mas o que digo eu? "teria sido"... que inocente... Já deveria ter aprendido a não mencionar o que teria sido, mas sim e somente o que é e possivelmente será...
Espero poder manter a farsa... e desligar-me dela o suficiente para poder apreciar os momentos de convívio tão desejado e que tanta falta me têm feito.